“nunca, na história da humanidade, houve condições técnicas e científicas tão adequadas a construir um mundo da dignidade humana. Apenas, essas condições foram expropriadas por um punhado de empresas que decidiram construir um mundo perverso. Cabe a nós fazer dessas condições materiais a condição material da produção de uma outra política.” Milton Santos, trecho extraído do documentário Mundo Global Visto do Lado de Cá de Silvio Tendler
O capitalismo parece entrar em um novo modo de atuação.
Com a velocidade dos tempos atuais, as coisas mudam muito rapidamente. Isso não é diferente com o mercado de trabalho. Modismos comerciais vêm e vão, empresas se abrem e fecham; muitas vezes, negócios e ideias rentáveis têm prazo de validade bem curtos…
Neste contexto, surge um novo tipo de profissional: o consultor
A grande vantagem (pessoal) para este profissional é não ter vínculos com nenhuma empresa, organização, etc… Transita entre várias, de diversos ramos, com modelos de “gestão” que vão sendo aplicados com algumas poucas “customizações” e vão buscando, geralmente (pois são contratados para isso…), produzir mais (lucro) com menos (gente, custos, etc…).
Assim, sem vínculos, surfam na onda do efêmero e ficam livres para partir para outra, tão logo o mar leve as ondas para outra praia, ou qualquer tormenta surja no horizonte.
O faro para estas mudanças no modelo de negócio somados a métodos, às vezes legais outras não – porém quase sempre imorais (antissociais) – na aquisição de ideias, o uso de seu poder econômico para suas aquisições, entre outras coisas, ajudam muitas grandes corporações a se manterem sempre na ponta, mas isso não tem sido regra e, sim, exceção.
Há bens que vêm para o mal
A entrada da chamada classe C que, com seu aumento de renda, seu maior acesso a universidades, etc… chega ao mercado mais bem preparada do que chegaria há pouco tempo tem um peso muito grande neste novo rumo que a atuação capitalista vem adotando, já que sua entrada no mercado depende de terem que se submeter a ganhar menos do que os profissionais já empregados há mais tempos nas funções.
Soma-se também a este e outros fatores, o (já mais do que conhecido) “aperfeiçoamento das tecnologias” que, em muitos casos, automatizam quase que totalmente a produção e reduzem a necessidade de mão de obra ou de uma tão qualificada.
Tudo isso abre terreno para um processo de precarização muito grande no mercado de trabalho, e, esse panorama é um prato cheio para os trabalhos de consultorias.
A FGV investe… na precarização do trabalho
No Brasil, uma instituição que forma este tipo de profissional e vende estas consultorias é a FGV (Fundação Getúlio Vargas). Trato mais especificamente dela, por se tratar, talvez, do maior expoente no ramo e pela ironia de seu nome (Getúlio Vargas), porém há muitas outras.
Com um nome destes, a FGV não teria como escapar de atuar fortemente no mercado de trabalho.
A FGV se adapta muito bem a esse modelo de negócio atual. Inclusive, na medida em que além de aplicar seus cursos, “empresta” seu nome a terceiros, atuando como uma espécie de “grife”, para que estes também o apliquem.
Suas consultorias utilizam-se, em alguns casos, de brechas jurídicas para precarizar o trabalho. Brechas jurídicas estas, que, muitas vezes, servem para contornar exigências da CLT, promulgada (por ironia do destino?) por Getúlio Vargas.
Trocando os nomes dos bois
Profissões tradicionais, com sindicatos estabelecidos, leis consolidadas passam a ter nomes genéricos para escapar de tudo isso.
Nomes como “Analistas” passam a substituir várias outras profissões já consolidadas e com direitos adquiridos.
Estes analistas ganham níveis pelos quais têm que passar: analista 1, analista 2, analista 3, etc… Se há necessidade de impressionar as pessoas, estas mesmas graduações ganham nomes mais atraentes: analistas 7, 8 e 9. Analista junior, pleno e senior; analista super mega baster e daí por diante… depende da auto estima dos funcionários.
Professores passam a ser contratados como instrutores. Com esta simples mudança de nomenclatura perdem seu regime de férias e recesso, perdem todo o amparo da legislação, seus direitos a Horas/Atividades e outros instrumentos que garantem uma melhor formulação de seu trabalho e daí por diante.
Estes são apenas alguns exemplos de como algumas consultorias agem.
Tudo vira fonte de renda
Outra fonte de renda da FGV, obtida indiretamente em suas consultorias, é criar “planos de carreiras” para os “analistas” das empresas que valorizem exatamente os cursos que a FGV aplica.
Por exemplo, para ser promovido em seu trabalho, um “analista” que tenha mestrado, recebe o mesmo peso de um que faz MBA, curso, não coincidentemente, oferecido pela própria FGV.
Enfim, para aqueles que acreditam que as ações do Presidente Getúlio Vargas foram uma manobra para conter um avanço do proletariado o qual poderia de fato transformar o Brasil em uma nação proletária, a FGV continua seu legado precarizador porém com roupagem mais moderna; para aqueles que veem em Getulio Vargas o pai dos trabalhadores, a FGV está jogando seu nome na lama.
“… nunca, na história da humanidade, houve condições técnicas e científicas tão adequadas a construir um mundo da dignidade humana”
Caminhando para o fim deste texto (motivado por uma ótima leitura crítica que recebi dele) esclareço que não se trata de demonizar a prática da consultoria ou, muito menos, os consultores. Há gente e organizações sérias fazendo coisas muito boas por aí.
Trata-se de refletir sobre qual a utilidade de tanto estudo e tantas ótimas cabeças pensantes, em algumas grandes e conceituadas instituições, voltadas para um fim tão antissocial na maioria dos casos. O mesmo raciocínio se aplica para a falta de responsabilização às tecnologias, ou melhor, aos que, na maior parte das vezes, financiam seu avanço… Que fins estamos dando a tantos enormes avanços tecnológicos que temos alcançado ou a nossa capacidade de avançar?
A mim, parece difícil não cairmos no argumento sobre nosso sistema capialista e sua prioridade para o lucro e o individualismo em detrimento do bem estar humano coletivo.
Não sei se é conselho bom, mas é de graça
Se a FGV for fazer uma consultoria em sua empresa, dependendo de seu cargo e tempo de empresa, prepare seu currículo! Quem sabe você consiga um outro emprego fazendo a mesma coisa que no seu atual, porém com um nome de analista, ganhando bem menos, em alguma outra empresa que a FGV já precarizou.